Motivação e definições

Considere a matriz $ A=\left[\begin{array}{cc} 1&2\\ 2&-2 \end{array}\right]$ . Para $ b=\left[\begin{array}{c} 1\\ 0\end{array}\right]$ , obtemos $ Ab=\left[\begin{array}{c}1\\ 2\end{array}\right]$ . Mas se tomarmos $ c= \left[\begin{array}{c} 2\\ 1\end{array}\right]$ , temos que $ Ac=2c$ . Ou seja, $ Ac$ é um múltiplo de $ c$ .
\includegraphics[scale=0.4]{eigprob.eps}

Dada uma matriz complexa $ A$ quadrada, $ n\times n$ , um vector $ x\in {\mathbb{C}}^n$ não nulo diz-se um vector próprio de $ A$ se $ Ax=\lambda x$ , para algum $ \lambda\in {\mathbb{C}}$ . O complexo $ \lambda$ é denominado valor próprio, e dizemos que $ x$ é vector próprio associado a $ \lambda$ . O conjunto dos valores próprios de $ A$ é denotado por $ \sigma(A)$ e é chamado de espectro de $ A$ .

No exemplo apresentado atrás, temos que $ 2\in \sigma(A)$ e que $ \left[\begin{array}{c} 2\\ 1\end{array}\right]$ é vector próprio associado ao valor próprio 2.

Uma questão que colocamos desde já é:

Como encontrar $ \sigma(A)$ ?

Ora, sendo $ A$ uma matriz complexa $ n\times n$ e se $ \lambda$ é valor próprio de $ A$ então existe $ x\in {\mathbb{C}}^n\setminus \left\{0\right\}$ para o qual $ Ax=\lambda x$ . Ou seja, $ \lambda I_n x-Ax=\lambda x-Ax=0$ , o que equivale a $ (\lambda I_n-A)x=0$ . Como $ x\ne 0$ , tal significa que a equação $ (\lambda I_n-A)x=0$ é consistente e que tem solução não nula. Isto é, a matriz quadrada $ \lambda I_n-A$ tem característica estritamente inferior ao número de colunas, o que acontece se e só se não é invertível, ou de forma equivalente, o seu determinante é nulo. Os valores próprios de $ A$ são os escalares $ \lambda$ que tornam $ \lambda I_n-A$ uma matriz singular, ou seja, que satisfazem $ \vert\lambda I_n-A\vert=0$ . Ora $ \vert\lambda I_n-A\vert$ é um polinómio em $ \lambda$ , usando o teorema de Laplace, denominado polinómio característico de $ A$ , e denotado por $ \psi_A$ . Os valores próprios de $ A$ são as raizes do polinómio característico $ \psi_A$ , ou seja, as soluções da equação $ \psi_A(\lambda)=0$ . Esta equação é chamada a equação característica de $ A$ .

Determinar os valores próprios de uma matriz equivalente a determinar as raizes do seu polinómio característico. Usando o teorema de Laplace, este polinómio tem grau igual à ordem da matriz $ A$ , que assumimos $ n\times n$ , e é mónico: o coeficiente de $ \lambda^n$ de $ \psi_A(\lambda)$ é $ 1$ . Pelo Teorema Fundamental da Álgebra, sendo o grau de $ \psi_A$ igual a $ n$ este tem $ n$ raizes (contando as suas multiplicidades) sobre $ {\mathbb{C}}$ . Ou seja, a matriz $ A$ do tipo $ n\times n$ tem então $ n$ valores próprios (contando com as suas multiplicidades). Sabendo que se $ z\in {\mathbb{C}}$ é raiz de $ \psi_A$ então o conjugado $ \bar z$ de $ z$ é raiz de $ \psi_A$ , segue que se $ \lambda\in \sigma(A)$ então $ \bar \lambda \in \sigma(A)$ . Em particular, se $ A$ tem um número ímpar de valores próprios (contado as suas multiplicidades) então tem pelo menos um valor próprio real. Isto é, $ \sigma(A)\cap {\mathbb{R}}\ne \emptyset$ . A multiplicidade algébrica de um valor próprio $ \lambda$ é a multiplicidade da raiz $ \lambda$ de $ \psi_A$ .

Vimos no que se discutiu acima uma forma de determinar os valores próprios de uma matriz. Dado um valor próprio $ \lambda$ ,

Como determinar os vectores próprios associados a $ \lambda\in \sigma(A)$ ?

Recorde que os vectores próprios associados a $ \lambda\in \sigma(A)$ são as soluções não-nulas de $ Ax=\lambda x$ , ou seja, as soluções não nulas de $ (\lambda I_n-A)x=0$ . Isto é, os vectores próprios de $ A$ associados a $ \lambda$ são os elementos não nulos de $ N(\lambda I_n -A)$ . Recorde que o núcleo de qualquer matriz é um espaço vectorial, e portanto $ N(\lambda I_n -A)$ é o espaço vectorial dos vectores próprios de $ A$ associados a $ \lambda$ juntamente com o vector nulo, e denomina-se espaço próprio de $ A$ associado a $ \lambda$ . A multiplicidade geométrica de $ \lambda$ é a dimensão do espaço próprio associado a $ \lambda$ , isto é, $ \dim N(\lambda I_n -A)$ .

O resultado seguinte resume o que foi afirmado na discussão anterior.

Teorema 4.1.1   Sejam $ A$ uma matriz $ n\times n$ e $ \lambda\in {\mathbb{C}}$ . As afirmações seguintes são equivalentes:
  1. $ \lambda\in \sigma(A)$ ;
  2. $ (\lambda I_n-A)x=0$ é uma equação possível indeterminada;
  3. $ \exists_{x\in {\mathbb{C}}^n\setminus \left\{0\right\}} \, Ax=\lambda x$ ;
  4. $ \lambda$ é solução de $ \vert\tilde\lambda I_n -A\vert=0$ .

Para a matriz considerada acima, $ A=\left[\begin{array}{cc} 1&2\\ 2&-2 \end{array}\right]$ , o seu polinómio característico é $ \psi_A(\lambda)=\begin{array}{\vert cc\vert} \lambda -1 & -2\\ -2 & \lambda +2\end{array}=\lambda^2+\lambda -6$ , cujas raizes são $ -3,2$ . Portanto, $ \sigma(A)=\left\{-3,2\right\}$ , e cada valor próprio de $ A$ tem multiplicidade algébrica igual a 1.

Octave \includegraphics[scale=0.3]{Octave_Sombrero.eps}
Defina a matriz $ A$ no Octave:

> A=[1 2; 2 -2]
A =

   1   2
   2  -2
Os coeficientes do polinómio característico de $ A$ , por ordem decrescente do expoente de $ \lambda$ , são obtidos assim:
> poly(A)
ans =

   1   1  -6
Ou seja, $ \psi_A(\lambda)=\lambda^2+\lambda -6$ . As raizes de $ \psi_A$ são os elementos de $ \sigma(A)$ :
> roots (poly(A))
ans =

  -3
   2
A multiplicidade algbébrica de cada um deles é 1.

Os valores próprios de uma matriz dada são calculados de forma directa fazendo uso de

> eig(A)
ans =

  -3
   2
Resta-nos determinar vectores próprios associados a cada um destes valores próprios. Recorde que os vectores próprios associados a $ -3$ [resp. 2] são os elementos não nulos de $ N(-3I_2-A)$ [resp. $ N(2I_2-A)$ ], pelo que nos basta pedir uma base para cada espaço próprio:
> null(-3*eye(2)-A)
ans =

   0.44721
  -0.89443

> null(2*eye(2)-A)
ans =

  0.89443
  0.44721
Ora a dimensão de cada um desses espaços vectoriais é 1, pelo que, neste caso, as multiplicidades algébrica e geométrica de cada um dos valores próprios são iguais. Mais adiante mostraremos uma forma mais expedita de obtermos estas informações.

pedro 2007-05-29