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Famílias de grafos

Nesta secção, consideramos apenas grafos. Recorde que um grafo $ {\cal{G}}$ é um par ordenado $ ({\cal{V}},{\cal{A}})$, onde $ {\cal{V}}$ é um conjunto não vazio finito e $ {\cal{A}}$ é um subconjunto de $ \left\{\left\{U,V\right\}:U,V\in {\cal{V}}\right\}$.

Os grafos $ {\cal{G}}$ e $ {\cal{H}}$ são isomorfos, $ {\cal{G}}\cong {\cal{H}}$ se exitir uma bijecção $ f:V_{\cal{G}}\rightarrow V_{\cal{H}}$ tal que $ u \leftrightarrow v \Leftrightarrow f(u)\leftrightarrow f(v)$. Ou seja, existe uma bijecção entre o conjunto dos vértices dos dois grafos de tal forma que a incidência é preservada. Na prática, significa que se toma outra indexação para os vértices. Se $ \varphi$ for o isomorfismo, então escrever-se-á $ {\cal{G}}\displaystyle\cong_\varphi {\cal{H}}$.

Proposição 4.1   Se $ {\cal{G}}\cong_\varphi {\cal{H}}$ então
  1. $ \char93  {\cal{V}}_{\cal{G}}= \char93  {\cal{V}}_{\cal{H}}$
  2. $ \char93 A_{\cal{G}}=\char93 {\cal{A}}_{\cal{H}}$
  3. para $ v\in {\cal{V}}_{\cal{G}}$, $ deg(v)=deg(\varphi(v))$.

Dados dois grafos, uma forma possível de se testar o isomorfismo é percorrer todas as bijecções entre os dois conjuntos de vértices (repare que por (1) da proposição estes são necessariamente equipotentes) até se encontrar uma que preserva a vizinhança. Suponha que $ \char93  {\cal{V}}_{\cal{G}}=\char93 {\cal{V}}_{\cal{H}}=n$. Então existem $ n!$ bijecções possíveis, o que se para grafos com poucos vértices é realizável, torna-se num algoritmo pouco prático para outros grafos. Tal suscita o chamado Problema do Isomorfismo de Grafos, que pode ser exposto, de uma forma ingénua assim:

Existem formas imediatas de teste de não isomorfismo, nomeadamente fazendo uso da proposição anterior. Em primeiro lugar, existe a condição de equipotência tratada nos pontos (1) e (2) da proposição. Por exemplo, não são isomorfos

$\displaystyle \xymatrix{
& \bullet \ar@{-}[ld] \ar@{-}[rd] &\\
\bullet \ar@{-}...
...et } \hspace*{3cm}
\xymatrix{
\bullet \ar@{-}[r] & \bullet\ar@{-}[r]& \bullet}$

O facto de (1) e (2) da proposição serem satisfeitos não implica que os grafos sejam isomorfos. Mostre por que não são isomorfos, usando (3) da proposição,

$\displaystyle \xymatrix{
\bullet\ar@{-}[r] &\bullet\ar@{-}[r]\ar@{-}[d] &\bulle...
... &\bullet\ar@{-}[r]\ar@{-}[d] &\bullet\ar@{-}[r] &\bullet\\
& & \bullet & & }
$

Vejamos como se relacionam as matrizes de adjacência de dois grafos isomorfos. Para tal, dizemos que duas matrizes $ A,B$, quadradas com a mesma ordem, são permutacionalmente semelhantes, $ A\displaystyle\approx_{per} B$, se existir uma matriz permutação $ P$ (ou seja, é obtida da matriz identidade fazendo trocas de linhas) tal que $ A=PBP^T$.

Proposição 4.2   Sejam $ A_{\cal{G}}$ e $ A_{\cal{H}}$ matrizes de adjacência dos grafos $ {\cal{G}}$ e $ {\cal{H}}$, respectivamente. Então

$\displaystyle {\cal{G}}\cong {\cal{H}}\Leftrightarrow A_{\cal{G}}\displaystyle\approx_{per} A_{\cal{H}}.$

Um grafo $ {\cal{G}}$ está contido num grafo $ {\cal{H}}$, $ {\cal{G}}\subseteq {\cal{H}}$, se $ {\cal{V}}_{\cal{G}}\subseteq {\cal{V}}_{\cal{H}}$ e $ {\cal{A}}_{\cal{G}}\subseteq {\cal{A}}_{\cal{H}}$. $ {\cal{G}}'$ é subgrafo de $ {\cal{G}}$ se $ {\cal{G}}'\subseteq {\cal{G}}$.

Um subgrafo $ {\cal{G}}'$ de $ {\cal{G}}$ é gerador se $ {\cal{V}}_{G'}={\cal{V}}_G$. Ou seja, tem exactamente o mesmo conjunto de vértices.

Para $ S\subseteq {\cal{V}}_{\cal{G}}$, o subgrafo induzido por $ S$, $ \langle S\rangle $, é o subgrafo maximal $ {\cal{G}}'$ de $ {\cal{G}}$ com $ {\cal{V}}_{{\cal{G}}'}=S$. Este subgrafo é denotado por $ {\cal{G}}_S$.

A proposição seguinte dá-nos outra forma de mostrar o não isomorfismo entre grafos (ou seja, fornece mais uma condição necessária do isomorfismo de grafos).

Proposição 4.3   Se $ {\cal{G}}\cong_\varphi {\cal{H}}$ e $ S\subseteq {\cal{V}}_{\cal{G}}$ então

$\displaystyle {\cal{G}}_S \cong {\cal{H}}_{\varphi(S)}.$

Exercício.

Mostremos o não isomorfismo entre os grafos seguintes, denotados respectivamente por $ {\cal{G}}$ e $ {\cal{H}}$:

$\displaystyle \xymatrix{
1 \ar@{-}[rrr] & & &2 \ar@{-}[ld] \ar@{-}[ddd]\\
& 5\...
...& h \ar@{-}[r]\ar@{-}[ld] & g \ar@{-}[rd]&\\
d \ar@{-}[rrr]\ar@{-}[uuu]& & &c}$

Suponha, por absurdo, que tal isomorfismo $ \varphi$ existe. Os vértices de grau 3 são 2,4,6 e 8 do primeiro grafo e $ c,d,g$ e $ h$ do segundo. Portanto, e como os graus são preservados, $ \varphi$ aplica $ \left\{2,4,6, 8\right\}$ de alguma forma em $ \left\{c,d,g,h\right\}$; ou seja, $ \varphi\left(\left\{2,4,6, 8\right\} \right)=\left\{c,d,g,h\right\}$. Fazendo uso da proposição anterior, segue que

$\displaystyle {\cal{G}}_{\left\{2,4,6, 8\right\}} \cong_\varphi {\cal{H}}_{\left\{c,d,g,h\right\}}.$

Mas tal não é verdade, já que se representam, respectivamente, por

$\displaystyle \xymatrix{
4 \ar@{-}[r] & 8 & 6\ar@{-}[r] &2}
\hspace*{3cm}
\xymatrix{
h\ar@{-}[d]\ar@{-}[r] & g\ar@{-}[d]\\
d\ar@{-}[r] & c}$

Um problema que se coloca é, de alguma forma, o recíproco da proposição. Por outras palavras, se certo tipo de subgrafos induzidos são isomorfos então serão os grafos isomorfos? Vejamos que tipo de subgrafos induzidos nos interessam.

Para $ v_i \in {\cal{V}}_{\cal{G}}$, $ {\cal{G}}-v_i$ é o subgrafo de $ {\cal{G}}$ induzido por $ {\cal{V}}_G \setminus \left\{v_i \right\}$. Ou seja, $ {\cal{G}}-v_i$ denota $ {\cal{G}}_{{\cal{V}}_{\cal{G}}\setminus\left\{v_i \right\}}$. A lista de subgrafos de vértice eliminado é a representação dos subgrafos $ {\cal{G}}-v_i$, onde $ v_i$ percorre o conjunto dos vértices. Por exemplo, o grafo

$\displaystyle \xymatrix{
& u \ar@{-}[ld] \ar@{-}[ldd]\ar@{-}[rdd] \ar@{-}[rd] & \\
y \ar@{-}[d] \ar@{-}[rrd] && v\ar@{-}[d]\ar@{-}[lld]\\
x \ar@{-}[rr] && w}$

a que voltaremos um pouco mais adiante, tem a seguinte lista de subgrafos de vértice eliminado:
$ \xymatrix{
\bullet \ar@{-}[r]\ar@{-}[rd]\ar@{-}[d] & \bullet \ar@{-}[d]\\
\bullet\ar@{-}[r] & \bullet}$ $ \xymatrix{
\bullet \ar@{-}[r]\ar@{-}[d]\ar@{-}[rd] & \bullet \ar@{-}[d]\ar@{-}[ld]\\
\bullet\ar@{-}[r] & \bullet}$ $ \xymatrix{
\bullet \ar@{-}[r]\ar@{-}[d]\ar@{-}[rd] & \bullet \ar@{-}[d]\\
\bullet\ar@{-}[r] & \bullet}$ $ \xymatrix{
\bullet \ar@{-}[r]\ar@{-}[d]\ar@{-}[rd] & \bullet \ar@{-}[d]\\
\bullet\ar@{-}[r] & \bullet}$ $ \xymatrix{
\bullet \ar@{-}[r]\ar@{-}[d]\ar@{-}[rd] & \bullet \ar@{-}[d]\ar@{-}[ld]\\
\bullet\ar@{-}[r] & \bullet}$
$ {\cal{G}}-u$ $ {\cal{G}}-v$ $ {\cal{G}}-w$ $ {\cal{G}}-x$ $ {\cal{G}}-y$

O Problema da Reconstrução do Grafo consiste em decidir se dois grafos não isomorfos com 3 ou mais vértices podem ter a mesma lista de subgrafos de vértice eliminado.

Conjectura 4.4 (P.J. Kelly & S.M. Ulam (1941))   Sejam $ {\cal{G}},{\cal{H}}$ grafos com

$\displaystyle {\cal{V}}_{\cal{G}}=\{v_1, \dots, v_n\}, {\cal{V}}_{\cal{H}}=\{u_1,\dots,u_n\}, n\ge 3.$

Sejam ainda

$\displaystyle {\cal{G}}_i={\cal{G}}-v_i, {\cal{H}}_i={\cal{H}}-u_i .$

Se, para $ i=1, \dots, n$,

$\displaystyle {\cal{G}}_i \cong {\cal{H}}_i,$

então

$\displaystyle {\cal{G}}\cong {\cal{H}}.$

Acrescente-se que, de forma independente, em 1977 foi mostrado por B. McKay e por A. Nijenhuis, recorrendo a computadores, que um possível contra-exemplo da conjectura teria que ter, pelo menos, 10 vértices.

Recorde a definição de digrafo completo. Ao se considerarem grafos (ou seja, digrafos simétricos), a noção de grafo completo é a induzida pelo digrafo, com a nuance de se assumir que o digrafo é simples. Ou seja, um grafo simples (isto é, sem lacetes), diz-se completo de quaisquer dois vértices são vizinhos um do outro. Um $ n$-grafo completo é denotado por $ {\cal{K}}_n$.

$ \bullet$ $ \xymatrix{
\bullet\ar@{-}[d]\\
\bullet}$ $ \xymatrix{
& \ar@{-}[ld]\bullet \ar@{-}[rd] &\\
\bullet \ar@{-}[rr] && \bullet }$ $ \xymatrix{
& \bullet \ar@{-}[ldd] \ar@{-}[d] \ar@{-}[rdd]& \\
& \bullet\ar@{-}[ld]\ar@{-}[rd] & \\
\bullet \ar@{-}[rr] & & \bullet}$ $ \xymatrix{
& \bullet \ar@{-}[ld] \ar@{-}[ldd]\ar@{-}[rdd] \ar@{-}[rd] & \\
\b...
...ar@{-}[rrd] && \bullet\ar@{-}[d]\ar@{-}[lld]\\
\bullet \ar@{-}[rr] && \bullet}$
$ {\cal{K}}_1$ $ {\cal{K}}_2$ $ {\cal{K}}_3$ $ {\cal{K}}_4$ $ {\cal{K}}_5$

Um bigrafo ou grafo bipartido $ {\cal{G}}=({\cal{V}},{\cal{A}})$ é tal que $ {\cal{V}}_G=V_1 \cup V_2$, com $ V_1,V_2 \ne \emptyset$ mas $ V_1\cap V_2=\emptyset$, e $ \forall_{x\in {\cal{A}}_{\cal{G}}} x\subseteq V_1 \cup V_2$. Ou seja, toda a aresta é incidente com um vértice de $ V_1$ e um vértice de $ V_2$. Portanto, existe uma partição do conjunto dos vértices de tal forma que dois vértices na mesma componente da partição não são vizinhos.

Proposição 4.5   Todo o grafo bipartido é simples.

Um bigrafo é completo se tiver todas as arestas possíveis incidentes com um vértice de $ V_1$ e um de $ V_2$. De outra forma,

$\displaystyle \left(\left( v_1\in V_1 \wedge v_2 \in V_2 \right) \vee \left( v_1\in V_2 \wedge v_2 \in V_1 \right) \right) \Leftrightarrow \{v_1,v_2\} \in A_G.$

Ou ainda, quaisquer dois vértices $ v_1\in V_1$ e $ v_2\in V_2$ são vizinhos.

Se $ \char93 V_1=m,\char93 V_2=n$ então com grafo bipartido completo com $ V_1\cup V_2$ como vértices denota-se por $ {\cal{K}}_{m,n}$. Por exemplo,

$ \xymatrix{
\circ\ar@{-}[r]\ar@{-}[rd]\ar@{-}[rdd] & \bullet\\
\circ\ar@{-}[r...
...-}[r]\ar@{-}[rd] & \bullet\\
\circ\ar@{-}[ru] \ar@{-}[r]\ar@{-}[ruu]& \bullet}$ $ \xymatrix{ \circ\ar@{-}[r]\ar@{-}[rd]\ar@{-}[rdd] & \bullet\\
\circ\ar@{-}[ru] \ar@{-}[r]\ar@{-}[rd] & \bullet\\
& \bullet}$ $ \xymatrix{ \circ \ar@{-}[r]\ar@{-}[d] & \bullet\\
\bullet\ar@{-}[r] & \circ\ar@{-}[u]}$ $ \xymatrix{
& \circ \ar@{-}[d] & \\
\circ \ar@{-}[r] &\bullet\ar@{-}[r]\ar@{-}[d] &\circ\\
& \circ & }$
$ {\cal{K}}_{3,3}$ $ {\cal{K}}_{2,3}$ $ {\cal{K}}_{2,2}$ $ {\cal{K}}_{1,4}$

O grafo bipartido completo $ {\cal{K}}_{1,n}$ chama-se, por razões óbvias, estrela.

Note-se que $ \char93  {\cal{A}}_{{\cal{K}}_{m,n}}=mn$.

Teorema 4.6 (Teorema de Euler)   Seja $ G$ um $ (p,q)$-grafo. Então

$\displaystyle \sum_{v_i\in V_G} deg(v_i) = 2q.$

A demonstração é feita por indução sobre o número de arestas.

Prove-se o resultado para grafos $ (p,1)$. Ou seja, o grafo tem $ p$ vértices e 1 aresta ($ p\ge 2$). Tem-se então que existem apenas 2 vértices $ v_i,v_j$ incidentes. Ou seja, $ deg(v_i)=deg(v_j)=1$ e $ deg(v_k)=0$, para $ k\ne i,j$. A igualdade do teorema de Euler é satisfeita de forma imediata.

Suponhamos agora que a igualdade é válida para grafos $ (p,q)$. Pretende-se que tal é suficiente para a validade da igualdade em grafos $ (p,q+1)$. Seja, então, $ G$ um grafo com $ p$ vértices e $ q+1$ arestas. Sejam $ x_i$ uma aresta de $ G$ fixa arbitrariamente e $ G'=(V_G,A_G\setminus \{x_i\})$. Ora $ G'$ é um grafo $ (p,q)$, pelo que a hipótese de indução mostra que

$\displaystyle \sum_{v_i \in V_{G'}} deg(v_i) =2q.$

Ao incluirmos a aresta $ x_i$, esta contribui com 2 unidades na soma total dos graus dos vértives de $ G$. Logo, e recordando que $ V_G=V_{G'}$,

$\displaystyle \sum_{v_i\in V_G} deg(v_i)=2q+2=2(q+1).$

Corolário 4.7   O número de vértices de um grafo com grau ímpar é par.

Dado $ G$ um grafo simples $ (p,q)$, então

$\displaystyle \forall_{v\in V_G}, 0\le deg(v) \le p-1.$

Denota-se por

$\displaystyle \min deg  G = \delta (G)=\min_{v\in V_G} deg(v),$

$\displaystyle \max deg  G = \Delta (G) = \max_{v\in V_G} deg(v).$

Se $ \delta(G)=\Delta(G)=r$, então $ deg(v)=r, \forall_{v\in V_G}$. Neste caso, diz-se que o grafo é regular com grau $ r$, ou que o grafo é $ k$-regular.

Um grafo $ G$ regular com $ deg(G)=3$ chama-se um grafo cúbico.

Os grafos platónicos são os correspondentes2 aos cinco sólidos platónicos3. Saliente-se, no entanto, que um grafo cúbico não é necessariamente o cubo. Como exemplo, repare no grafo de Petersen:

$\displaystyle \xymatrix{
& & \bullet \ar@{-}[lldd] \ar@{-}[d] \ar@{-}[rrdd] & &...
... \ar@{-}[ld] & & \bullet\ar@{-}[rd] &\\
\bullet \ar@{-}[rrrr] & & & &\bullet
}$

Corolário 4.8   Todo o grafo cúbico tem um número par de vértices.


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Pedro Patricio 2006-05-29